A LEI DE IMPROBIDADE E A CAUTELAR NA ADI 6678: suspensão dos direitos políticos apenas para casos dolosos

A LEI DE IMPROBIDADE E A CAUTELAR NA ADI 6678: suspensão dos direitos políticos apenas para casos dolosos

05.10.2021

Depois da novidade trazida pela Lei Complementar 184/2021 para as eleições de 2022, excluindo a hipótese de inelegibilidade por rejeição de contas do gestor sem imputação de débito, agora temos mais uma inovação no cenário do direito público. Vale lembrar que a LC 184 precisava ser sancionada pelo Presidente da República antes do dia 2 de outubro para valer para as próximas eleições. A previsão foi cumprida e a sanção veio no dia 31 de setembro.

No dia 1º de outubro de 2021, mais uma novidade.

O Ministro Gilmar Mendes deferiu medida cautelar, na ADI 6678, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), para i) suspender a vigência do inciso III do art. 12 da Lei de Improbidade e ii) dar interpretação conforme à Constituição para prever a suspensão dos direitos políticos, no caso do art. 10, somente para atos dolosos de dano ao erário.

A decisão cautelar impede, portanto, a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos para atos ímprobos de caráter culposo, sejam eles derivados de dano ao erário (art. 10) ou de violação a princípios (art. 11), lembrando que o enriquecimento ilícito, previsto no art. 9º, demanda necessariamente ato doloso.

A ADI 6678 foi proposta em fevereiro de 2021 e estava sob relatoria do Ministro Marco Aurélio.

Ainda em março deste ano, o Ministro anotou que o caso demandava julgamento definitivo, acionando o disposto no art. 12 da Lei 9.868/99.

O Autor da ADI sustentou que a sanção de suspensão dos direitos políticos revela verdadeiro alargamento desproporcional da restrição a direitos fundamentais, importando em flagrante violação à proporcionalidade e ao art. 14, caput, da Constituição. Ainda, defendeu que a sanção para casos culposos também ofende os princípios da legalidade e da reserva legal, na medida em que transfere ao juiz a necessária gradação da sanção, quando, segundo o art. 37, §4º da Constituição, essa obrigação é do legislador ordinário, que não a exerceu adequadamente quando da edição do art. 12 da Lei 8.429/92.

Desde então, a ADI tramitou para intimação da AGU, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da República e, ao final, para parecer da Procuradoria-Geral da República. A AGU e a PGR concordaram em defender a improcedência do pedido.

Segundo Parecer da PGR: “[a] penalidade de suspensão dos direitos políticos, prevista nos incisos II e III do art. 12 da Lei 8.429/1992, respeita a Constituição, uma vez que não dispensa o juiz de demonstrar a proporcionalidade entre a aplicação da reprimenda e as circunstâncias do caso concreto”. A AGU também defendeu que a suspensão dos direitos políticos está em consonância com a Constituição Federal.

Em 22 de setembro de 2021, o autor da ADI, destacando a proximidade do período eleitoral, que exige o respeito ao princípio da anualidade para a aplicação de eventuais mudanças, e o risco contínuo ao exercício da cidadania e ao regime democrático, requereu, novamente, a concessão de medida cautelar, com o objetivo de “suspender a aplicação da penalidade de suspensão dos direitos políticos nas hipóteses dos incisos II (quanto à forma culposa do art. 10) e III do art. 12 da Lei n. 8.429/92 até o julgamento de mérito” da ADI.

A ação constitucional foi então distribuída ao Ministro Gilmar Mendes para exame do pedido cautelar, sobretudo diante da proximidade do dia 2 de outubro, data em que se consolidam as regras do jogo da disputa eleitoral com um ano de antecedência.

Foi então que, em 1º de outubro de 2021, o Ministro Gilmar Mendes deferiu a medida cautelar pleiteada, com efeitos ex nunc, para i) conferir interpretação conforme à Constituição ao inciso II do art. 12 da Lei de Improbidade, estabelecendo que a sanção de suspensão de direitos políticos não se aplica a atos de improbidade culposos que causem dano ao erário e ii) suspender a vigência da expressão suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos do inciso III do art. 12 da Lei de Improbidade.

O dispositivo da decisão destaca que os seus efeitos já valerão para o pleito eleitoral de 2022, indicando a possibilidade de registro de candidatura daqueles gestores condenados por ato de improbidade, tanto na forma do art. 11 (violação a princípios), quanto pelo art. 10 (dano ao erário), quando este último seja decorrente de ato culposo.

Excluído dessa hipótese estão os gestores condenados por improbidade na forma do art. 9º da Lei 8.429/92, que trata especificamente do enriquecimento ilícito, para qual a condenação exige, necessariamente, a demonstração do dolo.

Segundo decisão do Ministro Gilmar Mendes em exame do pedido cautelar na ADI 6678:

[...] A questão controvertida nesta ação direta reveste-se de alta densidade constitucional e relevo sociopolítico, tanto por versar direitos fundamentais intimamente relacionados ao núcleo garantidor do princípio democrático, quanto por alcançar o sistema de proteção do erário e tutela da probidade administrativa, erigido pelo legislador ordinário por força e determinação do Constituinte. [...] A diferenciação apenas temporal da penalidade de suspensão de direitos políticos, nesta análise preliminar, não atende ao dever de gradação preconizado pela Constituição Federal. Há na retirada desses direitos fundamentais, ainda que temporária, gravidade inerente e dissociada do lapso supressivo. Ou seja, independentemente do tempo de suspensão, a mera aplicação dessa penalidade, a depender da natureza do ato enquadrado, afigura-se excessiva ou desproporcional. Assim, o Constituinte, ao condicionar a sanção de suspensão de direitos políticos em decorrência da prática de atos de improbidade à implementação de gradação legal, exigiu não só a ponderação temporal, mas também o cotejo da gravidade da própria conduta repreendida. Em outros termos, a gradação apenas quantitativa não é suficiente, considerada a baliza constitucional, quando são inseridos no mesmo contexto sancionatório condutas qualitativamente diversas. [...] Quando trazida a questão para o campo concreto das situações tratadas neste processo, em exame de cognição sumária, a desproporcionalidade da norma impugnada é patente. [...] A reprovabilidade dessas condutas, quando analisada à luz dos parâmetros constitucionais descortinados, não se mostra elevada a ponto de justificar a supressão dos direitos políticos. Sob o ângulo sistêmico, a desproporcionalidade das normas em tela implica inconsistência grave, cujos contornos contrariam outros postulados constitucionais relevantes, como a isonomia. Reporto-me às outras sanções que implicam a suspensão de direitos políticos, ou mesmo parte deles, como o direito de ser eleito. As penalidades de suspensão de direitos políticos objeto desta ação direta variam de 3 a 8 anos, a depender da conduta. Isso significa que esses atos de improbidade implicam a supressão temporária do direito de participação política em patamar superior, por exemplo, aos condenados pelos crimes de lesão corporal grave e gravíssima (Código Penal, artigo 129, §§1º e 2º). [...] Ao retomar os critérios de aferição da proporcionalidade acima elencados, é forçoso reconhecer, em exame perfunctório da questão jurídica controvertida, que as normas impugnadas sequer superam a etapa da necessidade. É que a legislação dispõe de outros meios eficazes e menos restritivos aos direitos fundamentais para repreender suficientemente condutas culposas que impliquem prejuízo ao erário e atos ímprobos dolosos que não resultam em enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário. [...] Portanto, em análise preliminar típica das tutelas provisórias de urgência, o cotejo das condutas em tela com a gravidade da sanção de suspensão dos direitos políticos, à luz dos critérios fornecidos pelos artigos 15 e 37 da Constituição Federal, realça a desproporcionalidade da medida legislativa. (ver a íntegra da decisão aqui).

O que se nota da decisão é que o Ministro reconheceu, em análise perfunctória, que os parâmetros atuais, dispostos nos incisos II e III do art. 12 da Lei 8.429/92, não são suficientes para a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos, porque não basta a gradação temporal fixada. É dever do legislador aperfeiçoar a norma e utilizar de mecanismos já previstos na legislação para melhorar a avaliação e sancionamento dos atos de improbidade que resultam dano ao erário e violação a princípios, na dimensão culposa.

A decisão do Ministro vem logo após a aprovação no Senado do Projeto de Lei 2.505/2021, que prevê alterações na Lei 8.429/92, como, por exemplo, a exigência de dolo para a condenação por qualquer dos tipos de ato de improbidade administrativa. O PL voltou para exame da Câmara dos Deputados, porque o relatório aprovado teve modificações que precisam ser apreciadas pela Casa Iniciadora, antes da sanção presidencial.

Ou seja, se aprovado o PL em trâmite, os atos de improbidade passarão a depender de condutas dolosas, uma vez que será suprimida a modalidade culposa. Outra importante alteração prevista no PL se destina à ampliação do prazo de suspensão dos direitos políticos, que passará dos atuais 8 anos para 14 anos.

Alguns poderão se perguntar se a aprovação do PL no Congresso Nacional não pode vir de encontro com a recente decisão cautelar exarada na ADI 6678. Mas, em um olhar mais atento, tem-se que a decisão não está em dissonância à ampliação do prazo da penalidade de suspensão dos direitos políticos, uma vez que ela apenas se restringe à aplicação de tal sanção a casos dolosos – em convergência com a outra previsão do projeto de lei de que a condenação por improbidade administrativa passa a ser somente para casos comprovadamente dolosos.

Ou seja, tanto a decisão cautelar da ADI 6687, quanto as alterações previstas no Projeto de Lei n. 2505 (do Senado) e no Projeto de Lei n. 10.887 (da Câmara dos Deputados), estão na linha de aperfeiçoar a aplicação da Lei de Improbidade.

A atuação na área revela que, atualmente, são graves as distorções na condenação de gestores públicos e na fixação desproporcional das sanções do art. 12 da Lei 8.429/92. E essa abertura descalibrada do poder punitivo do Estado acaba, ao final, por prejudicar a própria gestão pública, na medida em que não se consegue diferenciar o mau gestor daquele que busca, mesmo com as dificuldades e obstáculos do mundo real, a consecução das políticas públicas.


 Por Ana Paula Mella Vicari

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